Sabemos que as histórias têm, nas pessoas, um poder brutal, tanto no sentido de eu posso, como verbo, quanto no sentido de poder, como força (substantivo). Uma das formas de decifrar a história do coachee é estar atento ao dito, ao não dito e ao interdito. Ou seja, manter uma postura de observação por parte do coach e, por que não dizer, estar em presença, escutar ativamente e utilizar a comunicação direta que, na minha percepção, se aproxima mais de uma comunicação indireta.
Essa competência é a chave para mobilizar o não dito ou, temporariamente, o não saber do outro, pois, se não sei, como posso dizer?
Recorto aqui, para exemplificar minha percepção, um trecho de uma sessão com uma coachee muito especial, na modalidade de coaching individual. Ela mencionava várias vezes, ao longo da sessão, o que sentiu ao engravidar. Sua sensação era de que estaria diante de um amor maior que o dela. Repetia constantemente a seguinte frase:
“Eu quero um amor maior que eu, Dulce. Eu preciso me entender com ela, estamos brigando muito, não quero viver assim.”
Lá pelo décimo quinto minuto, conectada profundamente com ela, pedi permissão para fazer um mergulho mais profundo e resolvi acionar a Competência 7 – Comunicação Direta. Reconheci meu sentimento, minha intuição e meu pensamento como coach, e lancei, de forma bem desapegada, o que senti, intuí e pensei. Enquanto minha coachee falava e eu ouvia sua história, uma música não saía da minha cabeça.
Quando ela terminou de falar, tomei a palavra:
“Coachee, quando ouço esta frase, uma música vem à minha mente, e quero compartilhar com você… ‘É o amor, que mexe com minha cabeça e me deixa assim, que faz eu pensar em você e esquecer de mim…’” (Zezé de Camargo e Luciano).
Continuei a intervenção, navegando em águas do não saber:
“Quando digo isso, faz sentido para você? O que vem à tona?”
Houve então um silêncio revelador de três minutos. A reflexão foi e voltou várias vezes, trazendo uma onda de ditos que construíram a tessitura necessária para a criação de consciência. A partir disso, geramos uma ação planejada e alinhada com o sentimento e o pensamento dela, inaugurando um comportamento eficaz.
Então, o não dito pode vir disfarçado de não saber? Sim, pode! É aquilo que está encoberto, submerso na história do coachee.
Convido você, leitor, a pensar nas competências da ICF como ferramentas de trabalho e de intervenção. Podemos acionar uma ou outra dependendo da conexão estabelecida com o coachee, do momento, da qualidade dessa parceria, desse encontro cocriado entre o Eu e o Grande Outro.
Esse olhar aguçado, com os escutadores bem abertos e conectados para comunicar diretamente, também se manifesta na modalidade de coaching de equipes. Já trago um exemplo para vocês.
Peço permissão, agora, aos leitores, para recorrer a outros conhecimentos que fazem parte da minha história profissional. Afinal, as histórias nos rodeiam e nos circulam…
Vou buscar, neste momento, o referencial teórico da análise de discurso francesa. Transitarei pelas ideias do filósofo Michel Pêcheux, em que o dito, o não dito e o interdito se fazem presentes. Importo também as ideias da pesquisadora brasileira, doutora em linguística, Eni de Lourdes Orlandi, para quem o silêncio é uma condição necessária para haver dizer, mas não suficiente.
O silêncio ou o não dito deixa de ser o fundador; o discurso é fundado pelo interdito. É preciso haver não dito para que haja dito.
Se o não dito é a lacuna que sustenta o sentido, o mistério ou o enigma, como decifrá-lo?
Em coaching, tanto na modalidade de um para um quanto na de um para muitos, é fundamental perguntar:
“Se fôssemos colocar palavras ou frases neste silêncio, o que ele estaria dizendo?”
Segundo Orlandi, o silêncio não é apenas a falta de palavras ou a sombra do verbal. O silêncio é uma forma diferente de significar; não é vazio. O silêncio significa.
No coaching, o silêncio é muito bem-vindo. Ele pode promover reflexão e criação de consciência de forma profunda e genuína, permitindo que o dito, aquilo que realmente desejamos, emerja naturalmente.
Para que algo seja dito, outros dizeres possíveis precisam ser silenciados.
Tive o privilégio de trabalhar, entre o segundo semestre de 2017 e o início de 2018, com uma equipe única. Utilizamos a modalidade de coaching de equipes com profissionais da área da moda, do mundo fashion. Esta equipe, que trabalhava junta havia mais de cinco anos, apresentou um rico cenário para aplicar as competências da ICF.
Ao ouvi-los discursar sobre seus casos de sucesso e sobre situações que não foram tão bem-sucedidas, uma das perguntas que fizemos foi:
“Equipe, e quando vocês estão fazendo isso demais, o que estão deixando de fazer?”
Pergunto agora a você, leitor:
Quando acionamos a Competência 6 – Questionamento Poderoso –, perguntamos de forma reversa. Isso nos dá a chance de cocriar um novo caminho neuronal, o pensamento não pensado e, assim, promover soluções mais efetivas.
Psiu! Silêncio… Estamos sentindo o pensamento…
Deixo, então, algumas reflexões. Convido você a enxergar as competências como ferramentas de intervenção, onde arte e ciência se encontram.
Silêncio… O não dito cede lugar ao dito, nesse jogo que chamamos de interdito.
Psiu! Silêncio… Estamos processando uma onda de ditos…
Com estima,
Dulce Soares
Dulce Soares é Psicóloga no Brasil e em Portugal.
Mestra em Educação, especialista em Psicopedagogia, Psicanálise, Grupos Operativos e Psicologia do Desporto. Trabalha com Desenvolvimento humano há 32 anos, acredita fortemente que o Espaço do Nós pode ser tecido por cada Eu, formando uma Rede de pessoas e profissionais que aprendem e entendam de uma vez por todas que para o Outro você também é o Outro numa verdadeira “Dança de Eus.”